sábado, 26 de outubro de 2013

EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO


Empédocles de Agrigento - 4min.
 
Empédocles e a Natureza - 6min
 
Introdução à Filosofia -Os 4 Elementos - 6min.


Empédocles de Agrigento
Empédocles de Agrigento
Empédocles de Agrigento
* Agrigento, Itália – c. 490 a.C
+ Peloponeso, Grécia – 430 a.C
Empédocles foi um filósofo, médico, legislador, professor, místico além de profeta, foi defensor da democracia e sustentava a idéia de que o mundo seria constituído por quatro princípios: água, ar, fogo e terra. Filósofo grego pré-socrático, Empédocles propôs uma explicação geral do mundo, considerando todas as coisas como resultantes da fusão dos quatro princípios eternos e indestrutíveis: terra, fogo, ar e água. Tudo seria uma determinada mistura desses quatro elementos, em maior ou menor grau, e seriam o que de imutável e indestrutível existiria no mundo.
Segundo Aristóteles, fundou a oratória. Foi também fundador da primeira teoria biológica. Sua doutrina pode ser vista como uma primeira síntese filosófica.
Para Empédocles, duas forças fundamentais responsáveis pela manutenção do universo: O AMOR que unia os elementos (raízes) e o ÓDIO que os separava. A morte para ele era simplesmente a desagregação dos elementos. Segundo ele, todos nós fazíamos parte do todo que se renovava em ciclos; reunindo-se (nascimento) e separando-se (morte).
Seu pensamento influenciará os pensadores da escola atomista.
No Naturalismo esboçou o que podemos citar como os primeiros passos do pensamento Teórico Evolucionista: “Sobrevive aquele que está melhor capacitado”, aproximadamente 2460 anos antes de Charles Darwin. Tendo seguido Tales de Mileto na mesma linha de pensamento evolutivo: “O mundo evoluiu da água por processos naturais”.
Na política opôs-se à oligarquia, defendendo a democracia. Cedo virou figura legendária: ele mesmo se atribuía poderes mágicos. Conta a lenda que ele teria se suicidado atirando-se na cratera do Etna, para provar que era um deus.
Substitui a busca dos jônicos de um único princípio das coisas pelos quatro elementos, combinando ao mesmo tempo o ser imóvel de Parmênides e o ser em perpétua transformação de Heráclito, salvando ainda a unidade e a pluralidade dos seres particulares.
Esses princípios, também chamados “raízes”, seriam eternamente subsistentes, jamais engendrados, e de sua união ou separação nasceriam e pereceriam todas as coisas. Os quatro elementos se uniriam sob a força do amor e se separariam sob o influxo do ódio.

Os mananciais e os vulcões seriam provas da existência de água e fogo no interior da Terra.
Escreveu dois poemas em jônico: Sobre a Natureza e Purificações, cujos fragmentos chegaram até nós e cuja influência continua a fazer-se sentir, como, por exemplo, em René Char.

Segundo Empédocles, no poema Katharmoi – As purificações – do qual resta somente uma centena de versos, a intervenção do ódio está na origem de todas as coisas e dos seres individuais, que se vão diversificando até a separação total e o domínio absoluto do mal.

Entretanto, o princípio do amor voltará a triunfar, unificando e misturando tudo até a configuração de uma só coisa, Sphairos, a esfera perfeita, na qual o mundo presente tem princípio e fim.
No mundo atual há seres individuais e, portanto, ódio e injustiça, o que exige um processo de purificação que só terminará quando o amor triunfar.

Mas esse triunfo é ainda relativo: a evolução dos mundos é um processo no qual se manifesta um domínio alternado do amor e do ódio, do bem e do mal.

“Mas vá, contempla os testemunhos do meu discurso anterior, não se dê o caso de nele ter faltado beleza: o Sol, quente ao olhar e todo ele ofuscante; todos os imortais que se banham no calor e nos raios brilhantes; a chuva em tudo sombria e gelada; e as coisas enraizadas e sólidas que brotam da terra.

Na Cólera tudo é de diferentes formas e está separado, mas no Amor todas as coisas se unem e se desejam umas às outras. Delas procede tudo o que existiu, existe e existirá no futuro – surgiram as árvores e os homens e as mulheres, as feras e as aves e os peixes que na água se criam, e também os deuses de longa vida, superiores em honrarias.

Pois só estes existem, mas, correndo uns através dos outros, tomam formas diversas: de tal modo os altera a sua mistura.”
 
 O Tempo escultor
da argila faz o homem
- o  sábio faz-se deus.
Ade


EMPÉDOCLES

 ERYC DE OLIVEIRA LEÃO

EMPÉDOCLES ENTRE MÝTHOS E LÓGOS
UM ESTUDO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE OS POEMAS DE EMPÉDOCLES DEPOIS DO PAPIRO DE ESTRASBURGO

Dissertação a ser apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade de Brasília como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Filosofia. Trabalho vinculado à linha de pesquisa História da Filosofia Antiga e Medieval.
Orientador: Prof. Dr. Gabriele Cornelli.
Brasília - Maio de 2013 Leão, Eryc de Oliveira.
Empédocles entre Mýthos e Lógos – Um estudo sobre a relação entre os poemas de Empédocles depois do Papiro de Estrasburgo / Eryc de Oliveira Leão. Brasília, 2013. 124 p.
Orientador: Prof. Dr. Gabriele Cornelli
Dissertação (Mestrado em Filosofia) Universidade de Brasília (UnB).
1. Monismo 2. Pluralismo 3. Natureza 4. Ciência 5. Magia. I. Título

Dissertação (mestrado)—Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Filosofia, Programa de Pós-Graduação em Filosofia, 2013.

Essa dissertação de mestrado tem como objetivo principal fornecer evidências de ordem filosófica, sociológica, filológica e historiográfica, para o fato da unidade temática dos dois poemas de Empédocles, intitulados “Sobre a Natureza” e “Purificações”. Tal fato encontra-se registrado na evidência direta do texto de Empédocles conhecido como Papiro de Estrasburgo, publicado por Martin-Primavesi (1999).

Para ficar apenas com o exemplo mais importante, no conjunto d do Papiro de Estrasburgo, por exemplo, ocorre uma transição temática de ordem científica para mística, mostrando claramente que tais aspectos da filosofia de Empédocles não foram concebidos por ele como incompatíveis ou incoerentes. Dada a estrutura temática dos versos de Empédocles, o desenvolvimento desse trabalho passa pelo estudo das relações, em contexto arcaico, entre ideias e crenças de ordem mística e ideias e crenças de ordem científica. Foram escolhidos aqueles aspectos considerados centrais para a compreensão da estrutura unitária dos versos de Empédocles, deixando de lado os temas e evidências que não contribuíssem para o entendimento do modo como Empédocles, em particular, e alguns de seus contemporâneos, em geral, compreendiam a dinâmica cósmica em seus aspectos físicos e éticos.

Seguindo essa abordagem, foi analisada a estrutura organizacional dos fragmentos de Empédocles do ponto de vista das evidências filológicas disponíveis no atual momento histórico, de modo a estabelecer os fatos historiográficos básicos em relação aos quais seja possível estabelecer uma interpretação coerente dos fragmentos de Empédocles. Em seguida, levando em consideração as evidências da relação entre a filosofia de Parmênides e a filosofia de Empédocles, foram analisados os fragmentos necessários para tomar uma posição com relação ao tipo de monismo estabelecido por Parmênides, bem como os fragmentos que apontam para as características do pluralismo de Empédocles, mostrando que existe uma leitura possível que torna essas duas abordagens metodológicas compatíveis entre si.

 Assumindo essa estrutura lógica, foram levantados os pontos de contato entre a filosofia de Empédocles e uma série de contextos de ordem mística e científica, tais como, de um lado, a magia, o xamanismo, o orfismo e o pitagorismo, e de outro, a teoria dos quatro elementos, os experimentos científicos mentais e os aspectos científicos comparáveis às categorias científicas modernas que influenciaram a tradição de pensamento que culminou com o surgimento da ciência atual. Após a exposição e delimitação dessas categorias, elas foram usadas para interpretar a epistemologia, a ética e a física de Empédocles, em seus aspectos científicos e místicos, contribuindo para a história, tanto da filosofia quanto das religiões, bem como para as discussões relacionadas à relação dialética entre a história dos eventos e a história das ideias. 





(...) vê-se o pensamento filosófico e científico mover-se numa dialética que vai do diverso ao uniforme, para voltar do uniforme ao diverso. Diante de tal alternativa em contínua reviravolta, é perda de tempo propor um problema de origem. Pouco importa que o conhecimento comece pela apercepção do diverso ou pela constituição do idêntico, já que o conhecimento não se detém nem no diverso nem no idêntico! (...) O conhecimento é um desejo alternativo de identidade e de diversidade (Bachelard, 2009, p.15).

Dupla é a gênese de mortais, dupla é a morte;
Pois, por um lado, a conjugação de todas as coisas, não só cria como destroi;
Por outro lado, na sequência, depois de ser compactado, cresce e dissipa-se;
E, continuamente se renovando, estas coisas jamais cessam (Empédocles, B17.3-6)
                  


RESUMO
Essa dissertação de mestrado tem como objetivo principal fornecer evidências de ordem filosófica, sociológica, filológica e historiográfica, para o fato da unidade temática dos dois poemas de Empédocles, intitulados “Sobre a Natureza” e “Purificações”. Tal fato encontra-se registrado na evidência direta do texto de Empédocles conhecido como Papiro de Estrasburgo, publicado por Martin-Primavesi (1999). Para ficar apenas com o exemplo mais importante, no conjunto d do Papiro de Estrasburgo, por exemplo, ocorre uma transição temática de ordem científica para mística, mostrando claramente que tais aspectos da filosofia de Empédocles não foram concebidos por ele como incompatíveis ou incoerentes. Dada a estrutura temática dos versos de Empédocles, o desenvolvimento desse trabalho passa pelo estudo das relações, em contexto arcaico, entre ideias e crenças de ordem mística e ideias e crenças de ordem científica. Foram escolhidos aqueles aspectos considerados centrais para a compreensão da estrutura unitária dos versos de Empédocles, deixando de lado os temas e evidências que não contribuíssem para o entendimento do modo como Empédocles, em particular, e alguns de seus contemporâneos, em geral, compreendiam a dinâmica cósmica em seus aspectos físicos e éticos.


 Seguindo essa abordagem, foi analisada a estrutura organizacional dos fragmentos de Empédocles do ponto de vista das evidências filológicas disponíveis no atual momento histórico, de modo a estabelecer os fatos historiográficos básicos em relação aos quais seja possível estabelecer uma interpretação coerente dos fragmentos de Empédocles. Em seguida, levando em consideração as evidências da relação entre a filosofia de Parmênides e a filosofia de Empédocles, foram analisados os fragmentos necessários para tomar uma posição com relação ao tipo de monismo estabelecido por Parmênides, bem como os fragmentos que apontam para as características do pluralismo de Empédocles, mostrando que existe uma leitura possível que torna essas duas abordagens metodológicas compatíveis entre si. 

Assumindo essa estrutura lógica, foram levantados os pontos de contato entre a filosofia de Empédocles e uma série de contextos de ordem mística e científica, tais como, de um lado, a magia, o xamanismo, o orfismo e o pitagorismo, e de outro, a teoria dos quatro elementos, os experimentos científicos mentais e os aspectos científicos comparáveis às categorias científicas modernas que influenciaram a tradição de pensamento que culminou com o surgimento da ciência atual. Após a exposição e delimitação dessas categorias, elas foram usadas para interpretar a epistemologia, a ética e a física de Empédocles, em seus aspectos científicos e místicos, contribuindo para a história, tanto da filosofia quanto das religiões, bem como para as discussões relacionadas à relação dialética entre a história dos eventos e a história das ideias.
Palavras-chave: Monismo, Pluralismo, Natureza, Ciência, Magia
(....)
INTRODUÇÃO
Há um tópos (τόπος) recorrente na filosofia antiga: o tópos da suposta incompatibilidade entre Mýthos (μῦθος) e Lógos (λόγος), entre discurso mítico e discurso racional, entre inconsciente e consciente, entre irracional e racional, entre pensamento místico e pensamento científico. Tal assunto se torna cada vez mais paradigmático quanto mais o historiador da filosofia se aproxima das origens, dos primeiros autores a tentar, pretensamente, a reforma conceitual que buscará substituir o Mýthos pelo Lógos. Todavia, nessas primeiras tentativas de ir além da mitologia, enquanto narrativa dos deuses, em direção à arkhḗ (ἀρχή) primordial, enquanto narrativa histórica do mundo, os pré-socráticos se utilizaram de cosmogonias com elementos tanto míticos quanto ontológicos, mantendo em muitos casos uma relação de complementaridade entre Mýthos e Lógos1. 


1 Os nomes “mýthos” e “lógos” serão tomados neste trabalho, não em algum de seus vários sentidos gregos, mas como conceitos filosóficos representantes de um problema difícil de definir relacionado ao moderno problema da incompatibilidade entre ciência e religião. Toda a discussão que será feita nos capítulos seguintes terá como objetivo esclarecer da melhor forma possível, os conceitos centrais da filosofia de Empédocles e que lhe permitem transitar entre o ciclo cósmico sensível e o ciclo cósmico “suprasensível”, utilizando os mesmos conceitos e pontos de partida. Sempre que o termo “mýthos” for aqui utilizado, estará se referindo aos conceitos modernamente classificados como místicos, religiosos ou metafísicos enquanto que o termo “lógos” será tomado para representar os conceitos que darão origem posteriormente às várias abordagens científicas, em seus vários graus de precisão, todas com algum método de teste empírico de seus resultados, e sempre abertas a possibilidade de refutação. Até o advento da ciência moderna, esses conceitos estiveram bastante relacionados.


 Com o surgimento e desenvolvimento das ciências experimentais na idade moderna, mýthos e lógos começaram a se diferenciar cada vez mais, até o ponto em que, diferentemente dos povos “primitivos”, as dimensões da fé e da racionalidade se tornaram âmbitos diferentes e incompatíveis do pensamento humano. De certo modo, é devido a esse tipo de experiência que o olhar do historiador moderno da filosofia antiga precisa tomar partido de uma série de contextos para conseguir entender o tipo de racionalidade existente no período das origens da filosofia grega. E foi devido à suposta separação entre os âmbitos do mýthos e do lógos que os historiadores da filosofia antiga do século XIX encontraram-se em enormes dificuldades para interpretar o sentido de contextos tais como o do orfismo, do dionisismo, da magia e do xamanismo em suas relações com os primeiros filósofos. Atualmente, esses vários elementos da cultura grega já receberam vários e detalhados tratamentos por filólogos, antropólogos, etnógrafos e historiadores das religiões ao longo do século XX, e tornaram o estudo das relações entre mýthos e lógos mais rica em elementos. Assim, o problema das relações entre mýthos e lógos em Empédocles será abordado nesta dissertação a partir dessa tradição multidisciplinar de estudos clássicos, buscando se aproximar do olhar dos antigos. 

Embora a presença do pensamento mítico não tenha sido ainda completamente abolida nem mesmo no mundo moderno após o advento da consciência histórica (Eliade, 1994), os elementos míticos do pensamento dos pré-socráticos têm sido negligenciados por vários historiadores da filosofia antiga contemporâneos (Kingsley, 1995). Tais historiadores, restringidos pela visão apenas racionalista da filosofia, encontram-se constantemente em 14

dificuldades para entender o sentido de certos elementos míticos presentes nos textos dos primeiros gregos, responsáveis pela criação do campo intelectual da filosofia. Segundo Kingsley:
A tradição de pesquisadores pós-‘Iluministas’ ao longo dos últimos dois séculos tem persistentemente visto a historia da filosofia antiga como uma evolução progressiva em direção a certo ideal de racionalidade extremamente vago, embora misteriosamente sedutor; e ao fazê-lo decidiu aceitar quase incondicionalmente a avaliação arrogante de Aristóteles da filosofia dos pré-socráticos como não mais do que uma tentativa balbuciante de dizer o que somente ele, afinal, era capaz de articular com alguma fluência (Kingsley, 1995, p.3)2. 


2 Orig.: (...) post-‘Enlightenment’ scholarship over the past two centuries has persistently viewed the history of early Greek philosophy as a progressive evolution towards some extremely vague, but numinously seductive, ideal of rationality; and in doing so it has almost unquestioningly decided to embrace Aristotle’s arrogant assessment of Presocratic philosophy as no more than a stammering attempt to say what only he, at last, was able to articulate with any fluency.


3 Alguns exemplos de tais elementos são: o poema sobre a natureza e o das purificações de Empédocles; o proêmio e a apresentação dos caminhos da verdade e da opinião em Parmênides e a presença dos mitos nos diálogos platônicos

A distância temporal que nos separa dos gregos do V século antes de nossa era dificulta o acesso às referências de ordem religiosa e cultural, tais como o uso entre os filósofos de epítetos e figuras divinas, ou a presença simultânea de uma narrativa de tom lógico e racionalista e outra de cunho mítico, cheia de referências culturais de ordem ritual e sagrada3. A busca de sentido para a dialética entre Mýthos e Lógos e a descrição fiel das evidências no tratamento historiográfico dos antigos serão dois dos principais objetivos deste trabalho.

Além da presença da visão cíclica da vida cósmica e humana, essencial para o pensamento mítico, os gregos mantiveram uma série de temas importantes para a consciência mítica, tais como a importância das origens, a ideia de que, aquilo que é primordial, a arkhḗ (ἀρχή), precede a existência humana; a importância da memória, dentre outros (Eliade, 1994).

Segundo Eliade:

Veremos, entretanto, que a “desmitificação” da religião grega e o triunfo, com Sócrates e Platão, da filosofia rigorosa e sistemática, não aboliram definitivamente o pensamento mítico. Além do mais, é difícil conceber o ultrapasse radical do pensamento mítico enquanto o prestígio das “origens” permanece intacto e enquanto o esquecimento do que se passou in illo tempore – ou num mundo transcendental – é considerado o principal obstáculo ao conhecimento ou à salvação. Veremos que Platão ainda adere a esse modo de pensamento arcaico. E que na cosmologia de Aristóteles sobrevivem ainda veneráveis temas mitológicos (Eliade, 1994, p.101). 


Também Dodds, a partir de abordagens psicológicas, sociológicas e antropológicas, discutiu a presença de elementos míticos e racionais nos vários momentos do desenvolvimento da filosofia e da cultura grega desde Homero até o período helenístico (Dodds, 2002). Segundo ele, em nenhum momento os gregos desenvolveram o projeto racionalista até as últimas consequências. Sempre houve, em algum nível, a presença de elementos míticos no pensamento dos gregos:
(...) os homens que criaram o primeiro racionalismo europeu nunca foram – até o período helenístico – “simplesmente” racionalista. Ou seja, eles imaginavam e estavam profundamente cientes do poder, do encantamento e do perigo do irracional. Mas eles só puderam descrever o que ocorria abaixo do limiar de consciência, em uma linguagem mitológica ou simbólica, pois não possuíam um instrumento para compreendê-lo, e menos ainda para controlá-lo (Dodds, 2002, p. 255). 


Um dos objetivos desta dissertação é apontar os aspectos míticos e racionais do pensamento de Empédocles, mostrando como o agrigentino realizou a síntese entre esses dois tipos de pensamento, sem levar a cabo o divórcio entre Mýthos e Lógos em sua inteireza. Serão analisados os contextos de âmbito tanto “místico” quanto “científico” com o qual Empédocles estava dialogando em seus versos. Ainda com relação ao difícil divórcio total entre Mýthos e Lógos, não só no pensamento arcaico como na cultura contemporânea, Eliade diz o seguinte: 


(...) o homem a-religioso no estado puro é muito raro, mesmo na mais dessacralizada das sociedades modernas. A maioria dos “sem-religião” ainda se comporta religiosamente, embora não esteja consciente do fato. Não se trata somente da massa das “superstições” ou dos “tabus” do homem moderno, que têm todos uma estrutura e uma origem mágico-religiosas. O homem moderno que se sente e se pretende a-religioso carrega ainda toda uma mitologia camuflada e numerosos ritualismos degradados (Eliade, 2008, p. 166). 


Ao longo dos estudos desenvolvidos sobre Empédocles no século XX, desde a publicação dos fragmentos dos pré-socráticos por Diels-Kranz (1992) até a publicação do papiro de Estrasburgo por Martin-Primavesi (1999), os dois poemas de Empédocles foram cada vez mais sendo entendidos como um todo coerente. O papiro de Estrasburgo apenas trouxe uma confirmação direta de que o texto de Empédocles apresentava, mesmo dentro de cada um dos poemas, certas transições temáticas entre Mýthos e Lógos que demonstraram que a separação entre esses âmbitos está mais relacionada à crítica e organização posterior dos versos de Empédocles, do que ao próprio Empédocles. O desenvolvimento dessa tradição será delineado em seus aspectos gerais no capítulo 1, desde a discussão de alguns aspectos filológicos da organização efetuada por Diels, até as principais evidências descobertas com a publicação do papiro de Estrasburgo por Martin-Primavesi (1999). 16

Na obra de Empédocles, reconhecem-se conceitos e princípios que contribuíram para a estruturação da investigação filosófica. Não se pode negar que Empédocles, assim como outros pré-socráticos, estava interessado em descrever com precisão o funcionamento de todas as coisas, desde a fisiologia até a astronomia, passando pela botânica, química, ética e meteorologia. E que esses temas começaram a ser tratados pelos pré-socráticos com métodos diferentes daqueles do contexto épico anterior (Lloyd, 1971). É com essa etapa do desenvolvimento da lógica e da metodologia filosófica em mente que também o monismo e o pluralismo desses autores será investigado, de modo a entender o tipo de metodologia de pesquisa pretendido por Empédocles em suas investigações. Para isso, serão abordados no capítulo 2 os aspectos que aproximam o pluralismo de Empédocles do monismo de Parmênides, a fim de lançar luz sobre o método de pesquisa e a natureza da concepção cosmológica adotada por Empédocles. Um dos problemas que logo saltam a vista nesse contexto é: Como a postura monista pode ser compatível com a pluralista? Esse problema será tratado a partir do estudo dos fragmentos centrais de Parmênides onde o tipo de monismo adotado por esse autor será discutido. E a partir do contexto filosófico anterior e posterior às discussões de Parmênides o problema da metodologia de pesquisa de Empédocles, mais ligado a perspectiva do lógos, será delineado. 


Assumindo a unidade temática de Empédocles, entre uma tendência de ordem científica mais vinculada ao lógos, e uma tendência de ordem mística mais ligada ao Mýthos, no capítulo 3 serão discutidos alguns aspectos da filosofia de Empédocles que possam ajudar o leitor contemporâneo a entender o modo pelo qual Empédocles pode associar em sua vida e discurso, os temperamentos místico e científico. Nesse contexto, os aspectos principais da filosofia de Empédocles aparecem como fundamento tanto do ciclo cósmico entendido como movimento de elementos materiais, como do ciclo cósmico entendido como movimento de elementos materiais imperceptíveis aos seres mortais, que do ponto de vista religioso, são representados como almas e deuses. Ver-se-á, nesse contexto, que os conceitos empedocleanos centrais apresentam traços de ordem mágica que permitem sua aplicação tanto em âmbito místico quanto científico.
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1. TRADIÇÃO, ORGANIZAÇÃO E UNIDADE TEMÁTICA EM EMPÉDOCLES 

 
A primeira condição para entender Empédocles está em banir a noção de um abismo entre crenças religiosas e pontos de vista científicos. Seu trabalho é um todo, em que a religião, a poesia e a filosofia estão indissoluvelmente unidas. Sua imaginação é criativa, reunindo elementos disponíveis em todas as partes –cosmogonia hesiódica e jônica, racionalismo parmenidiano, misticismo órfico, lenda poética, a experiência de um físico, a resposta sensória de um poeta para as paisagens e sons da natureza, e os medos e esperanças de um espírito exilado do paraíso para ‘um breve período de tempo de vida que não é vida ' – mas construindo todos esses elementos juntos em uma visão unitária da vida do mundo e do destino da alma humana, ligada, como o macrocosmo, ao ciclo de nascimento e morte (Cornford, 1952, p.121-2)4. 


4 Orig.: The first condition for an understanding of Empedocles is to banish the notion of a gulf between religious beliefs and scientific views. His work is a whole, in which religion, poetry, and philosophy are indissolubly united. His imagination is constructive, gathering elements from every available quarter – Hesiodic and Ionian cosmogony, Parmenidean rationalism, Orphic mysticism, poetic legend, the experience of a physician, a poet’s sensuous response to the sights and sounds of nature, and the fears and hopes of a spirit exiled from heaven for ‘a brief span of life that is no life’ – but building all these elements together into a unitary vision of the life of the world and the destiny of the human soul, bound, like the macrocosm, upon the wheel of birth and death.  - 5 Cf.: Schleiermacher (2003) 


A interpretação de um texto antigo requer, como já dizia Schleiermacher, não só a adoção de uma série de contextos que tornem possível algum tipo de aproximação com o autor antigo, como também certas análises estruturais de ordem filológica, gramatical e lógica. Tanto um procedimento quanto outro é necessário e cada um ajuda a desenvolver a análise do outro, de modo que a interpretação de um texto avança em espiral por meio da relação mútua entre procedimentos de ordem gramatical e procedimentos de ordem psicológica5. Nesse processo, a historiografia moderna de Empédocles passou por vários momentos desde as primeiras edições de seus fragmentos até os grandes debates desenvolvidos ao longo do século XX. A tradição hermenêutica de Empédocles oscilou nesse tempo entre uma abordagem unitária de seu pensamento e outra dupla. Mas com a publicação do papiro de Estrasburgo, as antigas hipóteses 18

de unidade das obras obtiveram uma confirmação filológica. Os dois poemas de Empédocles não mais podem ser considerados de modo separados em uma análise contemporânea de Empédocles. Seu pensamento deve ser considerado, de agora em diante, como a tentativa de tornar coerente os ciclos da natureza de ordem “material” e de ordem “mística”.

Os Dois Poemas

No mesmo período histórico em que o a dicotomia entre ciência e religião já havia crescido e se desenvolvido ao longo de toda a idade moderna, a geração de filólogos alemães que fundou na atualidade os estudos pré-socráticos enxergou como problema central da filosofia de Empédocles a aparente dicotomia entre o poema intitulado “purificações” (katharmoí – καθαρμοί) e o poema “sobre a natureza” (Perì phýseōs – περὶ φύσεως), dado que o primeiro apresentaria teorias sobre as práticas purificatórias necessárias para evitar o sofrimento em reencarnações futuras, enquanto que o segundo descreveria uma doutrina puramente materialista segundo a qual todas as coisas são formadas pela mistura e separação de quatro raízes – terra, ar, fogo e água – regidas por duas forças – amor e ódio – responsáveis por provocar o nascimento e a morte a partir da composição e decomposição de membros vivos. 


Nesse contexto, parece não haver compatibilidade entre uma abordagem que consegue explicar todos os eventos naturais a partir do domínio compartilhado que o amor e o ódio exercem sobre os quatro elementos básicos ao longo do ciclo cósmico. Tal dificuldade forçou os filólogos a levantar algumas hipóteses explicativas para o fato de um mesmo autor supostamente sustentar opiniões tão díspares. Uma delas supõe que o autor escreveu os dois poemas em momentos diferentes de sua vida, mantendo apenas alguns conceitos básicos em cada uma das duas fases. Outros autores não acreditam que haja grandes problemas em sustentar que Empédocles tenha escrito ambos os poemas no mesmo período, sustentando que Empédocles seja um tipo de cientista com temperamento duplo, capaz de passar 6 dias da semana exercendo atividades de pesquisa experimental, e 1 dia alimentando sua fé em alguma atividade mística sincrética. Tal dificuldade de entender o aspecto multifacetado do pensamento de Empédocles entre os dois poemas talvez esteja relacionado à dificuldade de ordem lógica, filológica e gramatical, dada a escassez de dados sobre a relação entre os poemas e a própria natureza dos dados, sempre 19 provenientes – até o papiro de Estrasburgo – de citações de terceiros em organizações temáticas que tratam Empédocles não como fim, mas como meio para argumentar e discutir outros autores ou assuntos.

Tal dificuldade de entender o aspecto multifacetado do pensamento de Empédocles entre os dois poemas talvez esteja relacionado à dificuldade de ordem lógica, filológica e gramatical, dada a escassez de dados sobre a relação entre os poemas e a própria natureza dos dados, sempre 19 provenientes – até o papiro de Estrasburgo – de citações de terceiros em organizações temáticas que tratam Empédocles não como fim, mas como meio para argumentar e discutir outros autores ou assuntos.

3.2.3 Magia
Uma das mais lúcidas discussões sobre o fenômeno social da magia no âmbito da sociologia contemporânea foi feita por Mauss (2000). Sua discussão será útil a este trabalho como uma referência categórica do fenômeno mágico em seu estado primitivo. No momento histórico grego em questão, vários desenvolvimentos religiosos e filosóficos já estavam desenvolvidos e a magia em seu estado “puro” já não podia mais ser encontrada. Mas, levando-se em consideração a importância de ajustar claramente o grau das lentes utilizadas para ler os antigos, faz-se totalmente necessário ao historiador da filosofia que queira alargar os contextos sob os quais os textos antigos foram escritos e lidos, apropriar-se de modo o mais competente possível das categorias modernas necessárias para decompor os objetos de estudo em suas várias partes.


Todos os fatos levantados com o fim de definir o melhor possível o fenômeno da magia terão como referência a magia em seu estado primitivo. Verifica-se que, nesse contexto, os ritos mágicos e toda a magia são acreditados por todo o grupo humano. Ou seja, as crenças mágicas são sempre coletivas e, portanto, as representações mágicas serão sempre comuns a todo o grupo. Desse modo, atos individuais, nos quais nem todo o grupo acredite, não são atos mágicos. E os ritos mágicos são fenômenos coletivos e compõem fatos de tipo tradicional, de caráter e experiência sempre coletivos.


Assim, é possível entender os aspectos de continuidade simpática existente entre homens e natureza a partir do caráter grupal e coletivo das crenças mágicas. A continuidade encontrada no rito mágico vê de modo indistinto os agentes, os pacientes, os materiais e os espíritos, assim como no sacrifício se confunde a vítima, a divindade e o sacrifício. Percebe-se nessa descrição a indistinção entre causas e efeitos. No estagio primitivo dos ritos mágicos, onde o mágico era totalmente apoiado pelo grupo, seus atos mágicos não eram concebidos como um processo de imitação de um processo real com o objetivo de produzir o efeito do fato real em algum tempo
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futuro. Seus atos eram concebidos como, de fato, atuações do que se pretende que aconteça, e não mera imitação do efeito desejado. Como disse Cornford, os fazedores de chuva, em seus ritos mágicos, eram tidos como estando, de fato, fazendo chuva (Cornford, 1957).


A partir dessa consideração, pode-se notar outra característica do ato mágico. Primeiro, que todo ato mágico tem como efeito a modificação de um dado estado, tendo como possibilidades fazer acontecer ou cessar, em seres animados ou inanimados, determinados gestos, acidentes e fenômenos.


Pode-se deduzir deste fato que, excetuando-se os fenômenos agrícolas, a prática magia possua certa irregularidade, dado que só se faz necessária quando surge algum fato anormal, irregular, ou alguma necessidade tal como a de cura. Esse fato contrasta fortemente com as práticas regulares, previsíveis e oficiais, relacionadas à prestação de tributos às divindades, aos sacrifícios expiatórios, às homenagens obrigatórias, típicas das práticas religiosas.


Essa diferença entre magia e religião quanto ao aspecto da regularidade das práticas aponta para outro aspecto definidor da magia primitiva que é o fato de ser definida em contraposição à religião. Nesse contexto, o complexo mágico primitivo não possui qualquer tipo de deus ou representação religiosa. O próprio caráter contínuo que envolve todo o grupo homens-natureza é suficiente para expressar a emoção coletiva e realizar os fins mágicos desejados.


Nesse contexto, vê-se que o caráter da magia é essencialmente prático, e que as representações não existem fora dos ritos. Pode-se conjecturar, portanto, que sua sistematização tenha sido realizada apenas em um estágio posterior de decadência das concepções mágicas.Assim, a representação mágica não teria sido feita pelos feiticeiros primitivos, mas pelos religiosos e filósofos de uma época posterior.


A ausência de representações é um dos critérios identificadores do complexo mágico e sua presença um dos identificadores do surgimento das religiões. Segundo Cornford a religião surge a partir das primeiras representações, enquanto que a magia, sendo pré-religiosa, não faz uso de representações e compreende as ações humanas sobre a natureza como uma interação das partes com o todo (Cornford, 1957). Mauss, possui a mesma opinião, ao afirmar que não existe representação pura na magia, ao contrário da religião, que possui mitologia e dogmática com elementos autônomos (Mauss, 2000).


Nesse contexto, Mauss define a magia assim:
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Obtivemos, assim, uma definição provisoriamente suficiente do rito mágico: qualquer rito que não faça parte de um culto organizado, rito privado, secreto, misterioso e tendendo, como limite, para o rito proibido. Tendo em conta a definição que demos dos restantes elementos da magia, resulta desta definição uma primeira determinação da sua noção. Vê-se que não definimos a magia pela forma dos seus ritos, mas pelas condições em que eles se produzem e que marcam o lugar que ocupam no conjunto dos hábitos sociais (Mauss, 2000, p.23).


No que diz respeito ao tema central desta dissertação, ao moderno conflito entre mýthos e lógos, a magia encontra-se no meio termo entre ciência e religião. Do ponto de vista científico e técnico, possui uma série de técnicas laicas utilizadas para atingir suas finalidades práticas, várias técnicas mecânicas além de rituais de caráter pseudo experimentais. Do ponto de vista religioso, apresenta uma série de “agentes” especiais, intermediários espirituais e cultos, sempre de caráter indefinido, mas tendendo para as representações religiosas.


No que diz respeito ao estudo da magia no contexto grego, uma das primeiras dificuldades se encontra no fato de o termo grego para magia – mageía (μᾰγεία) – só aparecer na segunda metade do século quinto a.C. Mesmo a partir desse período, os autores nem sempre utilizaram esse termo com referência às mesmas práticas (Collins, 2008). Para evitar esse problema, faz-se necessário focar a análise em práticas cujas categorias sócio-etnográficas atuais enquadrariam como fenômenos mágicos, de modo a não só aumentar a quantidade de evidências, como também a evitar tornar a análise puramente literal em um contexto onde os conceitos e as categorias não necessariamente eram rigorosamente estabelecidos por uma suposta cultura letrada uniformizada.
Esse ponto de partida prático, no entanto, exige olhar atento, uma vez que, diferentemente da religião, as práticas e elementos constitutivos da magia deixam suas instituições fixas espalhadas pela sociedade:


(...) as funções da magia não são funções especializadas. A vida mágica não está dividida em compartimentos estanques, como a vida religiosa. Não produziu instituições autônomas, como o sacrifício e o sacerdócio. Assim, não encontramos categorias de factos mágicos; apenas conseguimos decompor a magia nos seus elementos abstractos. Encontra-se por toda a parte em estado difuso. Em cada caso particular, estamos na presença de um todo, que, como diríamos, é mais real do que as suas partes (Mauss, 2000, p.108).


Algumas evidências antigas, tais como a República de Platão (364b5 ss.) e o livro “sobre a doença sagrada” do corpus hippocraticum (De Morbo Sacro, seção 1, linha 22ss.), deixaram
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algumas evidências de atividades tipicamente mágicas e apontaram nomes de personagens tais como os magos (mágoi – μάγοι), os purificadores (kathártai – καθάρται), os sacerdotes mendicantes (agýrtai – ἀγύρται) e os videntes (mánteis – μάντεις), que serviram de ponto de partida para historiadores da magia no contexto grego tais como Collins (2008) e Kingsley (1995).


Os agýrtai, descritos por Platão na República, formam uma categoria de sacerdotes errantes que oferecem seus serviços em troca de dinheiro. A personagem Cassandra do Agamemnon de Ésquilo, que recebeu de Apolo o dom da profecia, mas que foi condenada a ter seus conselhos ignorados, é um estereótipo dos agýrtai. Os Mánteis, por outro lado, formam uma classe profissional bastante valorizada, geralmente ligados aos templos e aos exércitos. A Pýthia (Πύθια), sacerdote de Apolo em Delfos, era um tipo de mántis (μάντῐς). Outro exemplo de mántis era o profeta ligado aos exércitos, responsáveis por interpretar as entranhas dos animais sacrificados com o objetivo de dizer se os deuses favoreceriam uma determinada investida militar ou não. Além dessas características definidoras, esses profetas também interpretavam sinais ligados a fumaça gerada pela queima dos animais sacrificados, além do padrão de voo e canto dos pássaros. Os purificadores (kathártai) podem ser divididos entre aqueles que exerciam sua profissão regularmente, e aqueles que eram convocados apenas em momentos de crise para oferecer seus serviços tais como Epimênides. Tendo em vista o título e o tema do poema místico de Empédocles, talvez a classificação mais fiel possível do tipo de “mago” que Empédocles representa seria de kathártai. Segundo Collins, referindo-se a Empédocles:


Não está muito claro com base em qual atividade ele ganhou o título de vidente, exceto na medida em que os manteis eram conhecidos por sua capacidade de se comunicarem com os mortos e evocarem suas almas (psukhagōgein). Temos então evidências nas descrições de Empédocles para um conjunto de habilidades técnicas que, embora extraordinárias, não são radicalmente diferentes daquelas dos especialistas religiosos anônimos e socialmente menos famosos também chamados videntes e purificadores (Collins, 2008, p. 54)81.

Desde os tempos de Platão e Aristóteles, o lado mágico de Empédocles foi assiduamente ignorado.

As linhas de B111 foram colocadas por Diels no final do poema físico apesar de,
81 Orig.: 

It is not quite clear on the basis of which activity he earned the title of seer, except to the extent that manteis were known to communicate with the dead and evoke their souls (psukhagōgein). We have then in the accounts of Empedocles evidence for a set of technical skills which, while extraordinary, are not radically different than those of the anonymous and less socially distinguished religious specialists also called seers and purifiers.


A MORTE DE EMPÉDOCLES
A história de vida de Friedrich Hölderlin (1770-1843) – poeta alemão da região da Suábia – representa a síntese de todos os influxos políticos, filosóficos, estético-literários da época: a Revolução Francesa, o estudo da teologia, da literatura alemã (Klopstock), da filosofia de Espinosa (panteísmo), Rousseau (contrato social), Kant (Crítica da razão pura), Fichte (o confronto do eu-absoluto com o não-eu), da estética de Schiller e da filosofia grega (Platão e os pré-socráticos). Conviveu com Schiller, Herder, Goethe e outros literatos. Amigo e colega no convento de Tübingen de Hegel e Schelling colaborou decisivamente na elaboração do Mais antigo sistema do idealismo alemão no qual proclama que a poesia se tornará “o que foi no começo – mestra da humanidade”.

Tanto nas poesias (muitas em várias versões) como no romance Hyperion (em três versões) e na peça teatral, Hölderlin foi modificando o texto de acordo com a evolução de suas formulações e lucubrações político-filosófico-estéticas. Na tragédia, deslocou o problema individual da culpa de Empédocles (primeira e segunda versões), ou seja, da soberba, da hybris, de proclamar-se deus diante do povo, para o ângulo coletivo como redentor da humanidade (terceira versão) a fim de justificar a morte do filósofo no Etna. Sua reflexão sobre o trágico, seja no ensaio Fundamento do Empédocles, escrito para explicar o drama, como na peça, especifica a missão do poeta, a de conciliar a oposição entre o subjetivo e o objetivo no Si-mesmo. Mais de um século depois, C.G. Jung defendeu idêntica concepção (consciente, inconsciente e Si-mesmo).

Hölderlin vale-se do mito do filósofo, político, taumaturgo e poeta grego para criticar a Alemanha materialista e tecnicista de então, afastada dos deuses – Gottesentfernung – e antevê o retorno dos mesmos – Gottesnähe. Vislumbra assim a utopia de uma revolução do espírito, a renovação da interioridade individual alicerçada nos princípios da Revolução Francesa e do amor. Com o modelo de sociedade embasada no ideário dos pré-socráticos de unidade com tudo o que vive, do unus mundus, levanta questões como renascimento individual e dos povos, imortalidade da alma, purificação, dinamicidade, a missão do poeta e da poesia. Configura o papel social da literatura e da arte, preocupação esta inerente a todos os seus contemporâneos.

Influência marcante sobre Nietzsche que chega a escrever o esboço de seu Empédocles, sobre Rainer Maria Rilke, Hermann Hesse e tantos outros. Leitura imprescindível a todos empenhados no bem-estar e na melhoria do indivíduo e da comunidade.

Encenada pela primeira vez em 1916, a peça tem sido levada aos palcos reiteradas vezes em toda a Europa, inclusive em Agrigento, cidade de Empédocles, e foi, em l987, transformada em filme pelos diretores franceses Jean-Marie Straub e Danièle Huillet.

"Meu amor é o gênero humano (...) Amo a geração dos séculos vindouros. Esta é minha mais bem-aventurada esperança, a crença que me mantém forte e ativo; nossos netos serão melhores do que nós, a liberdade tem de vir um dia, e a virtude prosperará melhor na liberdade, em luz que aquece mais do que no âmbito do despotismo. (...) Esta é a meta sagrada de meus desejos e de minha atividade: desperto agora os germes que amadurecerão numa época futura. (...) Gostaria de atuar no plano universal: o universal não permite que deixemos de lado o individual, porém não vivemos com toda a alma as coisas isoladas, quando o universal se torna objeto de nossos desejos e anseios."

Friedrich Hölderlin


Fontes:
http://repositorio.unb.br/handle/10482/13743
                              http://www.biografia.inf.br/empedocles-de-agrigento-filosofo.html
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SÊNECA - SOBRE A BREVIDADE DA VIDA


Seminário de Filosofia: Sobre a Brevidade da Vida - 18min.
 Filosofia: Um Guia para a Felicidade - 24min.
Sêneca - da tranquilidade da Alma - 19min



Sêneca, Sobre a brevidade da vida

Lucius Aneu Sêneca
* Córdoba, Espanha c. 4 a.C
+ Roma, Itália – 65 d.C
Sêneca, Sobre a brevidade da vida

A vida divide-se em três períodos: o que foi, o que é, e o que há de ser. Destes o que vivemos é breve, o que havemos de viver, duvidoso; o que já vivemos certo…

O tempo presente é brevíssimo, tanto que a alguns parece não existir, pois está sempre em movimento; frui e precipita-se; deixa de ser antes de vir a ser; é tão incapaz de deter-se, quanto o mundo ou as estrelas, cujo infatigável movimento não lês permite permanecer no mesmo lugar…

Deve-se aprender a viver por toda a vida, e, por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer…

Não foi a lógica dos estóicos gregos, nem mesmo sua teoria do mundo físico que, sobretudo, atraiu o interesse dos estóicos romanos. Foi antes sua moral da resignação, principalmente nos aspectos religiosos que ela permitia desenvolver.

O primeiro representante do estoicismo romano, sem contar as idéias estóicas que se encontram no ecletismo de Cícero, foi Lucius Annaeus Seneca, nascido em Córdoba (Espanha), aproximadamente quatro anos antes da era cristã.

A obra literária e filosófica de Sêneca, tido como modelo do pensador estóico durante o Renascimento, inspirou o desenvolvimento da tragédia na Europa.

Oriundo de família ilustre, era filho de Lucius Aneu Seneca o Velho, célebre orador.
Conhecido como Sêneca o Jovem, era filho de Sêneca filho de Lúcio Aneu Sêneca o Velho, (55 a.C – 39 a.C) célebre orador, que teve renome como retórico e do qual restou uma obra escrita (Declamações).

Devido a sua origem ilustre foi enviado a Roma. O futuro filósofo Sêneca foi educado em Roma, onde estudou a retórica ligada à filosofia. Em pouco tempo tornou-se famoso como advogado e ascendeu politicamente, passando a ser membro do senado romano e depois nomeado questor.
Com a saúde abalada pelo rigor dos estudos, passou uma temporada no Egito para se recuperar e regressou a Roma por volta do ano 31 da era cristã.

Nessa ocasião, iniciou carreira como orador e advogado e logo chegou ao Senado.
Em 41 envolveu-se num processo por causa de uma ligação com Julia Livila, sobrinha do imperador Claudius I, que o desterrou.

Claudius II

No exílio, Seneca dedicou-se aos estudos e redigiu vários de seus principais tratados filosóficos, entre os três intitulados Consolationes (Consolos), em que expõe os ideais estoicos clássicos de renúncia aos bens materiais e busca da tranquilidade da alma mediante o conhecimento e a contemplação.

Agrippina II

Por influência de Agrippina II, sobrinha do imperador e uma das mulheres com quem este se casou, Sêneca retornou a Roma em 49.

Agripina tornou-o preceptor de seu filho, o jovem Nero, e elevou-o a pretor em 50. Sêneca contraiu matrimônio com Pompeia Paulina e organizou um poderoso grupo de amigos.


Logo após a morte de Claudius I, ocorrida em 54, o escritor vingou-se com um escrito que foi considerado obra-prima das sátiras romanas, Apocolocyntosis divi Claudii (Transformação em abóbora do divino Claudius). Nessa obra, Sêneca critica o autoritarismo do imperador e narra como ele é recusado pelos deuses.

Quando Nero foi nomeado imperador, Sêneca converteu-se em seu principal conselheiro e tentou orientá-lo para uma política justa e humanitária.
Durante algum tempo, exerceu influência benéfica sobre o jovem, mas aos poucos foi forçado a adotar atitudes de complacência.

Chegou mesmo a redigir uma carta ao Senado na qual justificava a execução de Agrippina II em 59.
Foi então muito criticado pela fraca oposição a tirania e a acumulação de riquezas de Nero, incompatíveis com as concepções estóicas. Com o avanço dos delírios de Nero e a execução de Agripina no 59, Sêneca, depois de condescender um pouco com os maus instintos de Nero, retirou-se da vida pública em 62, passando a se dedicar exclusivamente a escrever e defender sua filosofia. No ano de 65 foi acusado de participar na conjuração de Pisão, recebendo de Nero a ordem de suicídio, que executou em Roma, no mesmo ano.

Sêneca escreveu oito tragédias, que foram uma espécie de modelo no Renascimento e inspirou o desenvolvimento da tragédia na Europa. No entanto, seu maior sucesso foram os seguintes tratados de moral:

* Da Brevidade da Vida;
* Da Vida feliz;
* Da Clemência;
* Dos Benefícios; etc.
O escritor e filósofo destacou-se como estilista.

Numa prosa coloquial, seus trabalhos exemplificam a maneira de escrever retórica, declamatória, com frases curtas, conclusões epigramáticas e emprego de metáforas.
A ironia é a arma da qual se utiliza com mestria, principalmente nas tragédias que escreveu, as únicas do gênero na literatura da antiga Roma.

Versões retóricas de peças gregas, elas substituem o elemento dramático por efeitos brutais, como assassinatos em cena, espectros vingativos e discursos violentos, numa visão trágica e mais individualista da existência.

Seneca retirou-se da vida pública em 62.

Entre seus últimos textos estão a compilação científica Naturales quaestiones (Problemas naturais), os tratados De Tranquillitate Animi (Sobre a tranqüilidade da alma), De vita beata (Sobre a vida beata) e, talvez sua obra mais profunda, as Epistolae morales dirigidas a Lucilius, em que reúne conselhos estóicos e elementos epicuristas na pregação de uma fraternidade universal mais tarde considerada próxima ao cristianismo.

 
Morte de Sêneca
Peter Paul Rubens – 1615 – Óleo s/Tela – Museu do Prado – Madri – Espanha

Acusado de participar na conjuração de Pisão, em 65, Seneca recebeu de Nero a ordem de suicidar-se, que executou em Roma, no mesmo ano, com o ânimo sereno que defendia em sua filosofia.

Obra
Cartas Morais de Sêneca, escritas entre 63 e 65 e dirigidas a Lucílio, misturam elementos epicuristas com ideias estoicas e contêm observações pessoais, reflexões sobre literatura e crítica satírica dos vícios comuns na época.
Cartas Morais (Epistulae ad Lucillium) talvez seja a obra mais importante de Sêneca. Foram escritas entre 63 e 65, nos últimos anos de sua vida e dirigidas a Lucílio.

Mostra o filósofo na plenitude de seu pensamento e doutrina estoica. As Cartas, contém observações pessoais e reflexões, sendo um testemunho do cotidiano da vida em Roma na época. Podemos notar também, a intemporalidade dos temas abordados, como a moral, a política, a sociedade, enfim, a precariedade da condição humana que se arrasta há mais de dois mil anos.

Entre seus 12 Ensaios Morais, destacam-se Sobre a Clemência, endereçado a Nero sobre os perigos da tirania. Sobre a Brevidade da Vida, uma exortação a filosofia e Sobre a Tranquilidade da Alma, que tem como tema o problema da participação na vida pública.

Além dessas obras, Sêneca escreveu 9 tragédias e uma obra-prima da sátira latina, Apokolokintosis, que ridiculariza Cláudio e suas pretensões a divindade.
Apokolokintosis quer dizer exatamente “transformação em abóbora”: apoteose significa transformação do homem em deus; portanto (colocynte=abóbora), transformação em abóbora. Abóbora no sentido de bobo, homem sem intelecto.

Todas essas obras revelam que, para Sêneca, a filosofia é uma arte da ação humana, uma medicina para os males da alma e uma pedagogia que forma os homens, para o exercício da virtude.
É portanto um moralista, sua concepção do mundo repete as ideias dos estoicos gregos.
A razão universal transforma-se em Sêneca num deus pessoal, que é sabedoria, previsão e atenção, sempre em ação para governar o mundo e realizar uma ordem maravilhosa.

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Estátua de Sêneca – Roma
Frases
  • “A questão não é morrer cedo ou tarde, e sim de morrer bem ou morrer doente. E morrer bem significa ter a sorte de escapar do perigo de viver doente.” Cartas a Lucílio – Livro VIII – Carta 70. 
  • “Tu receias a morte, tal como receias os boatos: há coisa mais ridícula do que ver um homem com medo… de palavras? 
  • O filósofo Demétrio costumava dizer, com humor, que tanta importância dava aos clamores dos insensatos como ao ruído que produzimos no baixo ventre!… “Que diferença me faz” – dizia ele “que o som saia por cima ou por baixo?!” Cartas a Lucílio – Livro XIV – Carta 91. 
  • “Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável.” 
  • “Ninguém pode ser desprezado por outrem, se não se desprezou antes a si mesmo.” 
  • Consolação a Minha Mãe Hélvia. 
  • “Deve-se finalmente escolher com cuidado os homens: ver se eles merecem que lhes consagremos uma parte de nossa existência e se são gratos ao sacrifício de tempo que lhes fazemos; pois há os que chegam a considerar os serviços que lhes prestamos como um benefício para nós mesmos.” Extrato Da Tranquilidade da Alma. 
  • “Evitemos, porém, o mais possível as naturezas tristes e queixosas, que não deixam escapar nenhuma ocasião para se lamentar. Por mais fiel, por mais dedicado que possa ser, um companheiro de humor inconstante e que se queixa a cada momento é inimigo de nossa tranquilidade.” Extrato de Da Tranquilidade da Alma. 
  • “Retornar para o lugar de onde se vem: que há de cruel nisto? Quem não souber morrer bem terá vivido mal.” Extrato Da Tranquilidade da Alma. 
  • “Em seguida, a primeira coisa a evitar é desperdiçar nosso esforço ou em objetos inúteis ou de maneira inútil… . Que todo esforço tenha pois, um alvo preciso e seja apropriado para um resultado.” Extrato Da Tranquilidade da Alma.
  • Não desejar é o mesmo que possuir.
Carta de Sêneca a Sereno
Eis que faz muito tempo, por Hércules, que eu me pergunto a mim mesmo sem nada dizer, ó Sereno, com o que poderia comparar uma semelhante disposição de espírito; e o que me parecia assemelhar-lhe mais é o estado daquelas pessoas que convalescem de uma longa e grave enfermidade, e sentem ainda de tempos em tempos alguns calafrios e leves indisposições; e que, uma vez livres dos últimos traços de seu mal, continuam a se inquietar com perturbações imaginárias, a se fazer, ainda que restabelecidas, tomar o pulso pelo médico e consideram como febre a menor impressão de calor.Sua saúde, ó Sereno, não deixa nada mais a desejar, mas aquelas pessoas não estão habituadas novamente à saúde: assim, ainda se vê estremecer e agitar-se a superfície de um mar calmo, quando a tempestade acabou de se aplacar.
Assim também os procedimentos enérgicos nos quais encontramos auxílio anteriormente não são mais próprios: tu não precisas mais nem lutar contra ti nem te censurar nem te atormentar. Estamos na etapa final: tem fé em ti mesmo e convence-te de que segues o bom caminho, sem te deixares desviar pelas inúmeras pegadas dos viajantes extraviados à direita ou à esquerda e dos quais alguns se desgarram nas proximidades da estrada.
O objeto de tuas aspirações é, aliás, uma grande e nobre coisa, e bem próxima de ser divina, pois que é a ausência da inquietação. Os gregos chamam este equilíbrio da alma de “euthymia” e existe sobre este assunto uma muito bela obra de Demócrito. Eu o chamo “tranquilidade”, pois é inútil pedir palavras emprestadas para nosso vocabulário e imitar a forma destas mesmas: é a ideia que se deve exprimir, por meio de um termo que tenha a significação da palavra grega, sem no entanto reproduzir a forma.
Vamos, pois, procurar como é possível à alma caminhar numa conduta sempre igual e firme, sorrindo para si mesma e comprazendo-se com seu próprio espetáculo e prolongando indefinidamente esta agradável sensação, sem se afastar jamais de sua calma, sem se exaltar, nem se deprimir. Isto será tranquilidade. Procuremos, de um modo geral, como alcançá-la: tu tomarás, como entenderes, tua parte do remédio universal.
Mas ponhamos desde logo o mal em evidência, em toda a sua diversidade: cada qual nele reconhecerá o que lhe diz respeito. Ao mesmo tempo, dar-te-ás conta de tudo quanto tens menos a sofrer deste descontentamento de ti, do que aqueles que, estando ligados por uma profissão de fé faustosa e ornando, com nome pomposo, a miséria que os consome, teimam no papel que escolheram por questão de honra, mais que por convicção.
Para todos esses doentes o caso é o mesmo: tanto tratando-se daqueles que se atormentam por uma inconstância de humor, seus desgostos, sua perpétua versatilidade e sempre amam somente aquilo que abandonaram, como aqueles que só sabem suspirar e bocejar.
Acrescenta-lhes aqueles que se viram e reviram como as pessoas que não conseguem dormir, e experimentam sucessivamente todas as posições até que a fadiga as faça encontrar o repouso. Depois de terem modificado cem vezes o plano de sua existência, eles acabam por ficar na posição onde os surpreende não a impaciência da variação mas a velhice, cuja indolência rejeita as inovações. Ajunta ainda, aqueles que não mudam nunca, não por obstinação, mas por preguiça, e que vivem não como desejam, mas como sempre viveram.
Há, enfim, inúmeras variedades do mal, mas todas conduzem ao mesma resultado: o descontentamento de si mesmo. Mal-estar que tem por origem uma falta de equilíbrio da alma e das aspirações tímidas ou infelizes, que não se atrevem a tanto quanto desejam, ou que se tenta em vão realizar e pelas quais nos cansamos de esperar. É uma inconstância, uma agitação perpétua, inevitável, que nasce dos caracteres irresolutos.
Eles procuram por todos os meios atingir o objeto de seus votos: preparam-se e constrangem-se a práticas indignas e penosas. E, quando seu esforço não é recompensado, sofrem não de ter querido o mal, mas de o ter querido sem sucesso.
Desde então, ei-los presos, ao mesmo tempo, do arrependimento de sua conduta passada e do temor de nela recair, e pouco a pouco se entregam à agitação estéril de uma alma que não encontra para suas dificuldades nenhuma saída, porque ela não é capaz nem de mandar nem de obedecer às suas paixões; entregam-se à aflição de uma vida que não chega a ter expansão e, enfim, a esta indiferença de uma alma paralisada no meio da ruína de seus desejos.
Tudo isto se agrava quando, superada uma tão odiosa angústia, nos refugiamos no ócio e nos estudos solitários, nos quais não se saberá resignar uma alma apaixonada da vida pública, e paciente de atividade, dotada de uma necessidade natural de movimento e que não encontra em si mesma quase nenhum consolo. De sorte que, uma vez atraídos pelas distrações que as pessoas atarefadas devem mesmo às suas ocupações, não mais suportamos nossa casa, nosso isolamento e as paredes de nosso quarto; e nos vemos com amargura abandonados a nós mesmos.
Daí este aborrecimento, este desgosto de si, este redemoinho de uma alma que não se fixa em nada, esta sombria impaciência que nos causa nossa própria inércia, principalmente quando coramos ao confessar as razões, e o respeito humano recalca em nós nossa angústia: estreitamente encerradas numa prisão sem saída, nossas paixões aí se asfixiam. Daí a melancolia, a languidez e as mil hesitações de uma alma indecisa, que a semi-realização de suas esperanças prolonga na ansiedade e seu malogro na desolação; daí esta disposição para amaldiçoar seu próprio repouso, para lamentar-se por não ter nada a fazer e para invejar furiosamente todos os sucessos do próximo (pois nada alimenta a inveja como a preguiça, e se desejaria ver todo o mundo malograr, porque não se soube obter êxito).
Depois deste despeito pelos sucessos dos outros e deste desespero de não ser bem sucedido, começa o homem a se irritar contra a sorte, a se queixar do século, a se recolher cada vez mais em seu canto e aí se abriga sua dor no desânimo e no aborrecimento. A alma humana é, com efeito ou instinto, ativa e inclinada ao movimento. Toda ocasião para se despertar e para se afastar lhe é agradável. Certas feridas provocam a mão que as irritará e se fazem raspar com prazer: o sarnento deseja o que irrita sua sarna. Pode-se dizer o mesmo destas almas, em que as paixões, tanto como as úlceras malignas, consideram um prazer atormentar-se e sofrer.
Não existem igualmente prazeres corporais que se reforçam com uma sensação dolorosa, como quando uma pessoa se vira sobre o lado que ainda não está fatigado e se agita sem cessar procurando uma posição melhor? Deitamos ora de bruços ora de costas, experimentando sucessivamente todas as posições possíveis. E não é isso o natural da doença, nada suportar por muito tempo e tomar a mudança por um remédio?
Dai aquelas viagens que se empreendem sem nenhum intuito, aquelas voltas a esmo ao longo das costas, e esta inconstância sempre inimiga da situação presente que alternativamente experimenta o mar e a terra: “Depressa, vamos a Calábria”.
Logo se está cansado das doçuras da civilização. “Visitemos as regiões selvagens, exploremos o Brútio (Calábria) e as florestas da Lucânia.” Todavia, nestas solidões, suspira-se por qualquer coisa que dê descanso aos olhos fatigados pelo rude aspecto de tantos lugares áridos.
“A caminho de Tarento, com seu porto e seu inverno tão doce, e para esta opulenta região que seria capaz de sustentar sua população de outrora! Mas não, retornemos a Roma: faz muito tempo que meus ouvidos estão privados dos aplausos e do barulho do circo e tenho desejo de agora ver correr sangue humano.”
Assim como as viagens se sucedem, um espetáculo substitui o outro, e como diz Lucrécio: “Assim cada um foge sempre de si mesmo”. Mas para que fugir se não nos podemos evitar? Seguimo-nos sempre, sem nos desembaraçarmos desta intolerável companhia.
Assim, convençamo-nos bem de que o mal do qual sofremos não vem dos lugares, mas de nós mesmos, que não temos força para nada suportar: trabalho, prazer, nós mesmos; qualquer coisa do mundo nos parece uma carga. Isto conduziu muitas pessoas ao suicídio: porque suas perpétuas variações as faziam dar voltas, indefinidamente, no mesmo círculo, e elas consideravam impossível toda novidade. Assim tomaram desgosto pela vida e pelo mundo e sentiram aumentar em si o clamor furioso dos corações: “Mas como, sempre a mesma coisa?”
Os Estoicos
Depois de Cícero ter iniciado a história da filosofia em língua latina, formulando sua síntese eclética, o movimento de ideias mais importante dentro do pensamento romano foi o desenvolvimento das doutrinas estoicas, também originárias da Grécia, como o epicurismo e o ecletismo. A escola estoica foi fundada por Zenão de Cício (336-264 aC).

O estoicismo grego propõe uma imagem do universo segundo a qual tudo o que é corpóreo é semelhante a um ser vivo, no qual existiria um sopro viral (pneuma), cuja tensão explicaria a junção e interdependência das partes. No seu conjunto, o universo seria igualmente um corpo vivo provido de um sopro ígneo (sua alma), que reteria as partes e garantiria a coesão do todo. Essa alma é identificada por Zenão como sendo a razão e, assim sendo, o mundo seria inteiramente racional. A Razão Universal ou Logos, penetra em tudo e comanda tudo, tendendo a eliminar todo tipo de irracionalidade, tanto na natureza, quanto na conduta humana, não havendo lugar no universo para o acaso ou a desordem.
A racionalidade do processo cósmico se manifesta na ideia de ciclo, que os estoicos adotam e defendem com rigor. Herdeiros do pensamento de Heráclito de Éfeso (séc. VI aC), os estoicos concebem a história do mundo como sendo feita por uma sucessão periódica de fases, culminando na absorção de todas as coisas pelo Logos, que é Fogo e Zeus. Completado um ciclo, começa tudo de novo: após a conflagração universal, o eterno retorno.

Tudo o que existe é corpóreo e a própria razão identifica-se com algo material, o fogo. O incorpóreo reduz-se a meios inativos e impassíveis, como o espaço e o vazio; ou então àquilo que se pode pensar sobre as coisas, a idéia, mas não às próprias coisas.

Nesse universo corpóreo e dirigido pelo fatalismo dos ciclos sempre idênticos, tudo existe e acontece segundo predeterminação rigorosa, porque racional. Governada pelo Logos, a natureza é por isso justa e divina e os estóicos identificam a virtude moral com o acordo profundo do homem consigo mesmo e, através disso, com a própria natureza, a qual é intrinsecamente razão. Esse acordo consigo mesmo é o que Zenão chama “prudência” e dela decorrem todas as demais virtudes, como simples aspectos ou modalidades.

As paixões são consideradas pelos estoicos como desobediências à razão e podem ser explicadas como resultantes de causas externas às raízes do próprio indivíduo; seriam, como já haviam mostrado os cínicos, devidas a hábitos de pensar adquiridos pela influência do meio e da educação. É necessário ao homem desfazer-se de tudo isso e seguir a natureza, ou seja, seguir a Deus e à razão Universal, aceitando o destino e conservando a serenidade em qualquer circunstância, mesmo na dor e na adversidade.


 Li-Sol-30
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Ballone GJ – Sêneca, in. PsiqWeb – Psiquiatria Geral – Geraldo J. Ballone, Internet, 2001, disponível em http://gballone.sites.uol.com.br/hlp/seneca.html
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ÉTICA - A ARTE DO VIVER : GENIAL JOSÉ AMÉRICO MOTTA PESSANHA - 41:32


ÉTICA
A ARTE DE VIVER
 
José Américo Motta Pessanha